segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Insistência da vida_ Uma viagem Chamada Brasil



A INSISTÊNCIA DA VIDA

Clevane Lopes *
Fotos:Autógrafos:A querida D.Margarida, o Sr.Albert bauer, fotógrafo e violinista,Bauer e , de verde, a neta escritora, Engenheira Ana Luiza Camargo, minha sobrinha emprestada pela vida, do coração.

D.Grete (margarida), toma sorvete na Alemanha, em uma das viagens de visita.


A Guerra é uma situação de Labirinto...Dentro, pode-se ir de um lado para o outro, aprisionados pelas circunstâncias.Mas sempre há uma saída, embora muitos
se percam e não o saibam. Muitos perecem nas circunvoluções do espaço.
Nessa história, os personagens, galhardamente, a encontraram...
Clevane


"A INSISTÊNCIA DA VIDA"

Clevane Pessoa de araújo lopes

Biografias são sempre interessantes, embora algumas possam ter um feitio um tanto quanto enfadonho. Não é o caso de "A INSISTÊNCIA DA VIDA-UM PILOTO ALEMÃO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O VÔO CHAMADO BRASIL", livro publicado em 2005. Saber sobre a crua realidade da Segunda Grande Guerra Mundial e seus permeios humanos, através da fala dos protagonistas é, sem dúvida, uma presente a mais ao leitor.

A autora, Ana Luiza de Brasil Camargo, escreve muito bem. A fluidez de sua narrativa nos convida a ler sempre mais - e quando o livro acaba, temos a sensação de querer mais. A jovem biógrafaa é engenheira agrônoma, Mestre em Engenharia de Produção (pela UFSC) e teve o insigth de escrever a vida de Albert Bauer, que foi piloto da Luftwaffe, a Força Aérea Alemã, sua história de amor e lealdade a Grete Bauer, sua esposa. São os avós maternos da autora, seu "opa" e sua "oma".

Albert Bauer esteve em ação na França, na Rússia, sendo piloto até quando se acabou o combustível de reserva. Militar, cumpriu suas obrigações. Ana Luiza comenta sobre seu avô, na contracapa: "sobreviveu ao regime nazista, a uma condenação sumária de morte, à segunda Guerra Mundial, à Alemanha destruída. Uma grande parte de sua vua vida e de suas experiências não pertence somente a ele, mas também à história.

A INSISTÊNCIA DA VIDA celebra a HISTÒRIA e, sobretudo, a VIDA. A vida daqueles que sobreviveram à maior guerra de todos os tempos e puderam contar um pouco do que viram, do que sofreram, do que sabem. Contar um pouco das lições da guerra e dos sonhos de PAZ".(*)

Casados aos vinte-e-um anos, em plena guerra, os dois vivem situações peculiares, singulares, por causa da situação de seu país na guerra - e dessa união, nasce-lhes Renate, que depois, já no Brasil, casa-se com engenheiro brasileiro e têm três filhos, duas moças e um rapaz.

Ana Luiza, a primogênita, tem o dom de escrever e filosofar. Resolve então, registrar a história legítima de sua família e passa a ouvir o avô e a avó e colher deles suas lembranças.

O livro tem um feitio interessante, dois pratos de uma mesma balança: dois membros de uma mesma história, cada qual com seus produtos de lembrança no seu. No produto final, as balanças se equilibram, pois os iniciadores dessa família nuclear contam, afinal, uma mesma história. Do lado de Albert, o pensamento masculino, os combates, a visão ativa da guerra. Do outro, o de Grete, chamada por ele Gretl, o pensamento feminino, as dificuldades de sobrevivência, a amorosidade, a persistência, a sensibilidade, apesar de tudo. Gretchen, seu nome de batismo,j á estava moça, quando seu patrão falou-lhe algo a respeito de um grande empresário com o mesmo sobrenome dela, "Steilein". Mais tarde, sua tia Sophie, contou-lhe algo que o pai dela não lhe revelara:a família tinha ascendência inglesa e eram descendentes de judeus ingleses, que, no século XIX, haviam chegado à Alemanha. Tranquilizou a sobrinha dizendo que , devido ao distante grau de ascendência, estavam "fora da linha de perseguição".

Gretchen Bauer nasceu em 1923, na cidade de Neustadt am Kulm. Albert nasceu também em 1923. Em Schwarzhofen(perto da fronteira Alemanha/Tchecoslováquia).

Esse romance duplo-auto- biográfico, é escrito por alguém que desde muito se interessara em fazer chegar aos descendentes, a verdadeira história de seus avós. Ela é o veículo, com sua bela palavra escrita, da oralidade memorial dos pais de sua mãe. O esquema é interessante: um fala, outro fala, em subseqüências, sobre lembranças formando retalhos. Claro, é batida a imagem de colcha feita de pedaços, mas o livro é exatamente assim. Cada flash de lembrança, é relatado até que as gestalts se fechem. Então, o outro fala de mais uma relembrança e assim sucessivamente. Urdidura e tessitura.

Albert Bauer contava dez anos de idade, quando, em 1923, o NSDAP(Partido Nacuional-Socialista dos trabalhadores Alemães), o partido nazista, sobe ao poder. Ele conta que a maioria das pessoas tinha as bandeiras nazistas colocadas em portas, janelas, e havia até quem possuisse mastros grandes, para que hasteasssem a sua diariamente. As propostas do partido pareciam interessantes e tinham muitos simpatizantes ."Contudo, muitas pessoas não simpatizavam com o partido nazista, principalmente por seus métodos de coerção", conta Albert.

A autora coloca, na primeira pessoa, toda a fala, e depoimentos do casal protagonista. Às vezes, estavam falando em português e pensando em alemão, contou-me ela. Um belo trabalho de paciência e afetividade, curiosidade e honestidade. O livro é tão bom, que deveria tornar-se um filme, um longa, ou curtas, com várias das muitas histórias nele abertas. Tornar-se talvez uma mine-série, ou estar ao alcance de muitos leitores. Foi edição do autor, pequena, e ela lutou bastante tentando convencer algumas editoras a publicá-lo, mas acabaram por financiar a própria edição.

Albert narra que as crianças e jovens "da dez a dezoito anos, de toda a Alemanha, tanto os meninos quanto as meninas, tinham de entrar para as turmas da juventude hitleriana". Os uniforme mudavam com a idade. Tanto os filhos de quem simpatizava quanto os dos demais, eram colocados no Partido. E completa: "O poder de coerção do governo era tão grande que muitos preferiam seguir as regras do jogo e ficar quietos, para assegurar a vida de todos em suas famílias."

Em suma, Albert e Grete eram dois jovens autênticos, que conheceram o amor e se casaram numa época cuja condição de vida era essa, para os alemães. Mais tarde, militar, Albert recebe treinamento e se torna piloto. Narra, de forma concisa e real, todas as nuances da guerra, dos bombardeios, as mortes, os escapes, as condições duras e muitas vezes cruéis, desnecessárias ... Há fotografias e é tocante uma em que ele está ao lado de seu colega Hans Schobert, na Normandia, que morre momentos depois. Aliás, nos tocam todas as fotografias, onde vemos desde o casal criança até à vida adulta e, já idosos, ora em viagem, na terra natal, ora na noite de autógrafos.

Depois de todas as situações causadas pela guerra, o casal resolve vir para o Brasil, trazendo a Sra Marie, mãe de Albert, pois estava com prognóstico de seis meses de vida, caso não buscasse um clima mais quente. Aqui, viveu mais vinte anos, delicada qual uma porcelana de Dresden, no seio da família. Quando eu ia visitá-los, ela sorria apenas, pois não falava português, os olhos brilhando porque eu era amiga de sua netinha querida, de talhe similar ao seu. Eu ficava encantada: vestida com seu avental xadrêz, cuidava de gansos(ou patos?preciso perguntar); das penas deles, eram feitos os maciíssimos edredons da família. Eu via nela o pedaço da Europa, ali, à minha frente. O tio do Sr. Albert era padre em Iúna, pequena cidade do Espírito Santo e os convidara para vir. Viveram lá situações difíceis, algumas perigosas e no mínimo curiosas. Sempre tenazes. Sempre capazes.

De Iúna, mudaram para Juiz de fora, cidade onde Albert Bauer exerceu exitosamente a profissão de fotógrafo, ajudado por "D .Margarida", o nome brasileiro de Grete. Foi aí que Renate estudou, conheceu Celso Brasil, estudante de engenharia e com ele casou-se, constuituindo família.

Aos poucos, contarei detalhes outros de sua vida intensa, muito rica de conteúdos e situações ora dramáticas, ora românticas, ora tristes, ora hilárias, mas sobretudo, o livro escrito por sua neta, revela uma grande história de amor familiar. O amor de Marie Bauer por seu filho e de Albert por ela, incondicional e belo, o do casal entre si que enfrentaram separação, medo, numa lição ímpar de coragem e dinamismo; o deles pela única filha, Renate, uma ponte entre dois mundos, que se casa com brasileiro. Quando o esposo engenheiro, em 1975, recebe proposta para ir trabalhar no sul do Brasil, ela que deixara pequenina o solo pátrio com seus pais e sabe o quanto essa união com eles é sólida e importante, impõe essa bela e e profunda condição: "Só se meus pais forem juntos". Como colocar espaço geográfico entre os pais e ela, se conhecia a dor de sua própia mãe por ter deixado os parentes na Alemanha?

Acabaram morando em Florianópolis, cercados pelas netas, o neto e quatro bisnetos. Eu já recebera este livro, carinhosamente autografado, quando a guerreira D.Margarida se foi. Passou para outra dimensão, depois de cumprir não um, mas vários ciclos de vida.

Quando, ao chegar em Juiz de Fora, Minas Gerais, passou a distribuir as fotografias que o marido tirava, mal falava o Português, mas chegava com um grande sorriso , dizia um "Bom Dia ", com um adorável sotaque e não havia quem não quisesse as fotos muito bem clicadas e reveladas, em preto e branco - foi assim que a conhecemos, quando veio trazer as fotos de meus manos Cleone e Máximo, batidas no jardim de Infância Mariano Procópio. E minha nãe a elegeu para amiga.

Eles estiveram presentes em todas as datas importantes de minha vida. Mais tarde, quando militava na imprensa de Juiz de Fora, pedi ao diretor da Gazeta Comercial, o Sr.Théo Sobrinho, que acatava todas as minhas reivindicações, para pagar ao Sr. Bauer como free lancer e ele passou a me acompanhar para todos os lugares, por isso, em meu e-book, "Nas Velas do Tempo", onde conto algumas histórias vividas na Ditadura Militar , ele aparece, inclusive tendo a querida e imprescindível máquina tomada por agentes do DOPS à entrada da palestra de Juscelino Kubtscheck, após o exílio. Esse e-book está aqui, em "E-LIVROS".

Renate estava casada e muitas vezes, dormi em seu quarto, pois mamãe queria que eu distraísse D.Margarida(Grete), das saudades da filhota. Apesar deles gostarem do genro, um filho para os sogros, sempre haviam tido a filha perto de si.

Albert Bauer fotografou meus manos em festas juninas, formaturas e fez muitas fotos de meu maninho Jr, que nasceu com síndrome de Down. Ele possuia uma máquina alemã e uma russa, suas fiéis companheiras. Para sustentar bem sua família, ia aos casamentos, fazia as fotos inusitadas, revelava-as em casa e depois, antes que os outros profissionais fossem levar seu trabalho, chegava a alegre esposa e vendia as fotos.

A carreira de fotógrafo em Juiz de Fora, começou num insight: assim que chegaram a Juiz de Fora, foram passear, conhecer a cidade. Em um bairro com belas casas, ele teve a idéias de fotografá-las. Em um laboratório montado no banheiro, fez as fotos. Enquanto foi trabalhar, em uma fábrica, a metalúrgica Santos Dumont, a esposa, conforme combinado com ele, após decorar algumas palavras, foi vendê-las. Eram três dúzias. Ela vendeu trinta e cinco. Quem resistiria à sua simpatia? Foi uma Grete sorridente que ele encontrou ao sair do trabalho, feliz com o resultado.

Jamais vi um casal assim trabalhador: a confortável casa que depois construíram no Bairro Industrial, em Juiz de Fora, e que me encantava, construíram sozinhos, com o auxílio de seu amigo Franz. Sabem o que é fazer tudo - até uma forma para construir os blocos e erguer as paredes? Móveis lindos e funcionais, lambris, bom gosto...

Quando Ana Luiza, a quem fui visitar tão logo nasceu, uma bebezinho encantador, encontrou-me pela Internet, vibrei, pois,casada também com engenheiro, mudei muito de Estados, acabei por desgarrar-me dos endereços deles.

Lamento apenas que não haver começado a escrever antes, para D.Margarida ler esses comentários. Mas a autora, que passou a trocar e-mails comigo, lia para a família os meus e eles ficaram felizes por termos nos reencontrado. Eu pretendia ir a Santa Catarina: a Florianópolis visitá-los, a Timbó, para conhecer a Casa do poeta Lindolf Bell (um Centro de Memória ), um de meus poetas prediletos e ir a Blumenau, entrevistar Rafaela Hering Bell, sua filha e Diretora do MAB(Museu de arte de Blumenau). Não foi possível viajar quando foi inaugurada a praça do poeta Lindolf Bell, assim, não pude abraçar minha querida D.Margarida, que eu cito em versos e em prosa, há anos. Uma espécie de tia emprestada pela vida.

Considero-me orgulhosa e feliz porque Ana Luiza, por extensão, uma sobrinha querida, escreve também. E como escreve bem!

A Memória familiar deve ser preservada e poucos dão-se conta da importância de se repassar, às novas gerações, a verdade. A familiar, a histórica. Isso, há sobejamente em " A INSISTÊNCIA DA VIDA".

Todavia, não se trata apenas de preservação para família. Muitas espécies de leitores seriam muito beneficiados nessa leitura:os historiadores realmente interessados nessa época angustiante da II GG, deveriam ler sobre os conflitos, as razões, as devastações, as reconstruções. Os espiritualizados, por certo, seriam levados a reconhecer a existência dos muitos milagres, a força da esperança, a energia vital INSISTINDO, mudando, derrubanmdo barreiras. Os românticios, capazes a vivenciar emocionalmente, o protagonismo de uma história de Amor, dos caminhos do amor genuíno, incondicional. Os filosófos, por certo gostariam de conhecer a tenacidade, a visão ampla e irrestrita, a análise neutra das causas dessa Guerra. E, é evidente, os especialistas em situações bélicas, entenderiam melhor a extensão e as conseqüências de uma guerra. Os psicólogos, assim como eu, têm uma rica fonte de estudos do comportamento humano. Mas por que uso o condicional? É que o livro não está à venda. As procuradas editoras não se abriram para esse trabalho importante e comovente. Então, saiu uma pequena tiragem, já esgotada, em "edição do autor", financiada pelo próprio protagonista. Eu própria, recebi o último abençoado exemplar. Que pena... mas um dia, alguém há de descobrir essa fonte de história e milagres. Ou, se preferirem, sorte, mas tudo argamassado na tenacidade, um dom e uma qualidade que falta a muita gente.

Mas o mais importante, sempre será: se é uma história sobre a guerra, é sobretudo, uma história que prova: o amor existe, o amor cura, o amor une, faz sobreviver... E é confortador demais saber que sai da segunda geração, uma neta, que passa meses ouvindo, recolhendo, consultando, interpretando, escrevendo e nos dá esse belíssimo livro. A voz dos mais velhos, fala em suas palavras. Ipsis Literis.

29/01/2007, Belo Horizonte, MG, Br

Neste ano de 2007, a amiga D.Margarida passou para outra dimensão, de onde deve estar rindo seu grande riso, sorrindo seu amigável sorriso e ,cor-de-rosa, vela pelos que aqui deixou.Antes, teve toda a necessária lucidez para narrar á neta Ana Luiza, o lado feminino dessa história de Guerra e Amor.Sobretudo, Amor...